Os estudiosos ainda vão nos explicar o êxito de público que teve o romance “O homem que amava os cachorros” do cubano Leonardo Padura no Brasil e em muitos outros países. Ficção baseada em muita pesquisa histórica e política o livro traz ao presente da revolução cubana o drama da revolução russa: o enfrentamento entre revolução e termidor; entre os dois dirigentes que personificam essas opções, Trotsky e Stalin; entre as trajetórias pessoais de dois comunistas, Trotsky um revolucionário nas mais difíceis condições que a vida e a história poderiam colocar a um militante, e Ramon Mercader seu algoz, um revolucionário transformado em pistoleiro.
O romance reflete a tragédia que marcou o século XX e nos lembra que houve alternativas. Além de muito bem escrito, talvez tenha tocado fibras da consciência de uma ampla militância de esquerda que continua buscando transformar a vida, que não se contenta com os legados daquelas forças – o imperialismo americano, o estalinismo – que finalmente dominaram o século XX e nos entregaram um mundo com múltiplas crises.
A vida militante e a obra teórica de Trotsky emergem nesse contexto. Mas não é o único. O marxismo revolucionário com o qual a Democracia Socialista se identifica desde seu início, é o continuo esforço de síntese das contribuições de militantes e processos revolucionários desde que a revolução russa foi bloqueada nos anos 1930. Não se confunde com os “trotskismos” que se transformaram em seitas. Por isso, na trajetória da DS tem sido tão importante a obra de Trotsky, mas também a de Rosa Luxemburgo e do Che Guevara. E entre nossos contemporâneos, as formulações do feminismo anticapitalista, a luta contra o racismo e as elaborações da teologia da libertação, alem de autores marxistas como Ernest Mandel, Livio Maitan, Daniel Bensaid e Miguel (“Moro”) Romero. Com essa visão, mantemos sempre abertos os canais de diálogo e construção conjunta com direções revolucionárias latinoamericanas como as do Partido Comunista Cubano ou do Movimento de Libertação Nacional MLN-Tupamaros de Uruguai.
Mas obviamente entre eles, e ao lado do Lenin, se destaca Trotsky. Aquele que elaborou as melhores análises sobre o desenvolvimento desigual e combinado que o capitalismo propiciava em escala planetária, superando dualismos estanques e caracterizações de feudalismo nas formações sociais na periferia.
Quem formulou a estratégia da revolução permanente, que retomando Marx contra o marxismo oficial da Segunda Internacional Socialista e o estalinismo, afirmava que uma revolução democrática, se é verdadeira, não se deteria até chegar ao socialismo. Essa permanencia da revolução era o antídoto que os revolucionários deviam ter para superar a doutrina estalinista da revolução por etapas nos países periféricos, a primeira das quais seria a luta anti-feudal liderada por partidos da burguesia que devia ser apoiada pelos trabalhadores.
Quem em igual sentido que Marx, Engels, Lenin e Rosa Luxemburgo defendeu uma visão internacionalista da revolução, contra a cretinice teórica do socialismo em um só país, as manipulações em nome do interesse nacional da diplomacia estalinista e as miopias das estratégias puramente nacionais de algumas esquerdas.
Quem propôs, em aliança com o mexicano Diego Rivera e o francés André Breton, um manifesto pela liberdade da criação artística revolucionária contra o sufocamento da cultura e arte pelo realismo socialista estalinista.O Trotsky que na luta contra a burocratização nos anos 1920 recuperou uma visão democrática da construção partidária. Porque depois que em vida de Lenin se suprimiu temporariamente o direito das frações dentro do PCUS, o estalinismo a transformou em doutrina permanente junto com a fórmula de partido único.
Quem defendeu as conquistas obtidas pela classe trabalhadora com a revolução de outubro sem deixar de questionar a contrarrevolução estalinista. Que soube apontar as enormes potencialidades que a socialização dos meios de produção traria para a vida de uma sociedade ao tempo que denunciava como a casta burocrática no poder as desperdiçava.
A obra de Trotsky não resolve todos os problemas teóricos que a ação revolucionária enfrenta hoje. Mas aponta um campo de formulações, um método e uma postura ética militante revolucionária. Com esse legado há muito ainda por desenvolver, hoje. Sobretudo depois da vergonhosa debacle do socialismo realmente existente, herança do Stalin, o marxismo revolucionário tem a tarefa inconclusa de fazer um balanço definitivo dessa experiência e renovar o projeto socialista.
Para ler mais
León Trotsky (1923), Questões do Modo de Vida, Lisboa: Edições Antídoto, n°441°. Maio, 1979.
Luizianne Lins – deputada federal (PT/CE)
(Artigo publicado dia 3/11 em Democracia Socialista: https://goo.gl/3Cj8fS)
Ponderações como as formuladas pela Deputada Federal Luizianne Lins são extremamente esclarecedores para aqueles que militam na defesa dos interesses coletivos e difusos, proporcionando-lhes instrumental teórico básico para melhor compreensão das nuances que cercam posicionamentos ideológicos até próximos, mas absolutamente distintos.
Excelente !
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