O 25 de novembro é uma data importante para nós mulheres, militantes e feministas – momento de dar maior destaque ao combate à violência, onde iniciamos internacionalmente a Campanha dos 16 Dias de Ativismo pela NÃO VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Concentramos esforços e colocamos na pauta do dia, envolvemos homens e mulheres na luta que fazemos todos os dias. No Brasil a violência contra a mulher não se restringe a um caso ou tipologia, é de uma diversidade incrível, e mesmo com todo o avanço legislativo, a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, o empoderamento das mulheres, o rompimento com o silêncio e a realização da primeira denúncia, a violência avança e está relacionada com as relações desiguais de poder entre homens e mulheres. As mulheres, diariamente, têm seus direitos mais elementares violados, sua vida, liberdade e seu corpo.
Aqui no Brasil iniciamos a Campanha um pouco antes do calendário internacional, no dia da Consciência Negra (20/11), data fundamental para iniciarmos a luta, a reflexão e discussão sobre o respeito às mulheres. A questão étnico-racial só agrava a misoginia que agride e mata mulheres todos os dias.
A violência doméstica contra mulheres negras aumentou em 54% na última década (2003 – 2013) enquanto que em relação às mulheres brancas diminuiu 9,8%.
Mulheres Negras Mulheres Brancas
1.864 – 2003 1.747 – 2003
2.875 – 2013 1.576 – 2013
Aumentou 54% Diminuiu 9,8%
Realizamos como atividade da campanha (16 dias), uma audiência pública para discutir o caso contra uma mulher negra, quilombola, conhecido como CASO GRACINHA. Não quero tratar de cada caso específico, mas não há como conter a indignação e tristeza que salta em nós e nos toma com cada caso que assistimos. E como falei, vai agregando requintes de crueldade à condição de mulher. Gracinha teve suas filhas arrancadas de seu convívio de forma brutal e arbitrária pela justiça sob as justificativas mais injustificáveis. Fruto do preconceito, desinformação e não reconhecimento da nossa origem e cultura. Dizer que uma mãe não tem condições de criar suas filhas sob uma das alegativas: “é descendente de escravos, sua cultura não primava pela qualidade de vida, era inerte em relação aos cuidados básicos de saúde, higiene e alimentação” – é algo que não podemos admitir!
Além de tudo isso, após a realização de uma audiência para denunciar a violência institucional do Caso Gracinha, ao finalizar as nossas convidadas foram barradas em todas as recepções e portarias da Casa do Povo, mesmo, portanto os “vauches” da Câmara. Qual a razão? Será porventura pela cor da sua pele?
Às tantas Gracinhas, eu gostaria de nesse momento de indignação, falar de que sei como você se sente, que me solidarizo a sua dor, mas não posso! Não posso porque sou branca, venho de uma família branca, de uma mãe professora e um pai servidor público que tiveram condições de me proporcionar uma vida diferente da sua. Não posso, porque tenho um filho que foi criado por mim, ninguém arrancou ele de mim por motivo algum, sob alegativa ou questionamento da minha escolaridade ou cultura, dos cuidados dispensados com saúde, alimentação e higiene que proporcionei a ele. Eu jamais saberei a dor que você e suas meninas sofreram e sofrem.
Dessa forma, enquanto mulher e membro dessa Casa, exigimos que se retratem com Gracinha e suas filhas, permitindo que a mãe recupere a guarda de suas filhas, o direito de cuidar, amar e acompanhar cada fase de suas vidas, cada descoberta, aprendizado e crescimento. E a essas meninas, cessar imediatamente com os seguidos atos de violência cometidos. Vocês tem ideia do que é isso? Ser retirada da sua mãe, da sua rotina, da sua escola, do seu lar, convívio familiar, principalmente sob as justificativas não justificáveis, de forma arbitrária. Pensem como fica a cabeça, o emocional e psicológico dessas crianças, as referências construídas – é preciso que voltem ao convívio familiar e que seja garantido atendimento e acompanhamento psicossocial de ambas.
Como escreveu Simas: “Nós, os brancos, precisamos urgentemente nos livrar da nossa doença profunda e corrosiva, que é alimentada desde o berço e reforçada cotidianamente, na escola, nas ruas e no mercado de trabalho: o complexo de superioridade”.
Fanon já dizia que “o racismo e o colonialismo devem ser entendidos como modos socialmente gerados de ver o mundo e viver nele, ressaltando que a colonização gerou sociedades psicologicamente doentes”.
Na CMVCM, onde ocupo a relatoria, recebemos demandas de violações dos mais diversos segmentos e condições que as mulheres estão inseridas. Realizamos esse ano uma audiência pública para discutir a violência no campo, que se agrava devido a várias especificidades, onde as faces da violência perpassam também o cotidiano das trabalhadoras, do problema agrário, de acesso, direito e cultivo à terra e preservação das florestas. Essas mulheres têm suas vidas fortemente marcadas pelas características dos lugares em que vivem. E quanto mais distante dos centros urbanos, dos serviços públicos de atendimento e do acesso à informação, mais limites são impostos, maiores são as influências e condições da reprodução do machismo, da impunidade dos agressores e da invisibilidade dos casos. As situações de violência não ocorrem apenas quando se tornam visíveis e são divulgadas na mídia.
A violência doméstica (meus companheiros e companheiras), saiu da esfera privada, não se trata apenas de uma briga de marido e mulher, é um problema social e político. É um problema nosso! Nenhum direito a menos!
Então companheiras, a luta é grande! Ela vem desde a superação de vivermos apenas a condição de dona de casa, tendo muito a superar! A divisão sexual do trabalho nos coloca no lugar do doméstico, por isso muitas de nós vivemos a sobrecarga, o acúmulo de papeis sociais; somos mães, filhas, educadoras, cuidadoras da família, companheiras, donas de casa, cuidamos da roça, das criações, somos trabalhadoras, políticas; enfim temos duplas e triplas jornadas de trabalho, remunerado e não remunerado.
Não há como negar as conquistas feministas, elas trazem autonomia pessoal para todas as mulheres, mas dependendo do lugar que ocupamos na sociedade, nas relações sociais e econômicas, temos maior ou menor potencial de opressão e violência. É preciso conquistar a autonomia, lutar contra as opressões e desigualdades históricas, de caráter econômico, político, cultural, de gênero, orientação sexual, geração, deficiência, raça e etnia.
Durante a campanha teremos ainda a audiência a ser realizada, com outro segmento fortemente excluído, as mulheres trans. Acontecerá dia 30 e convidamos a todas e todos para deixarem suas máscaras e preconceitos em casa e virem conversar com a gente, conhecer a realidade em que vivem essas mulheres.
Mulheres são mulheres em qualquer circunstância e mesmo não estando diariamente na mídia, a violência está fortemente presente no nosso cotidiano e se agrava em virtude das dificuldades do alcance das políticas públicas, do reconhecimento da violência e da forte discriminação de gênero que o silêncio esconde.
A violência e suas múltiplas expressões são responsáveis pelo silêncio que esconde as barbaridades sofridas por mulheres e meninas. É preciso romper com o silêncio e dar um basta à cultura machista, racista, lesbofóbica e assim acabar com a violência.
Do ponto de vista político e também institucional, os desafios são muitos e grandiosos, assim persiste a necessidade de organização e fortalecimento dos movimentos de mulheres e feministas, a radicalização da democracia e defesa irrestrita dos direitos humanos.
Felizmente, a organização das mulheres vem contribuindo para as mudanças de comportamento da sociedade.
E indiscutivelmente nos anos do governo Lula e Dilma houve uma estruturação de políticas públicas de enfrentamento a violência contra a mulher, além da abertura de diálogos com movimentos feministas e de mulheres que influenciaram muito do que temos em termos de sistematização para as diretrizes de enfrentamento a essa questão tão presente em nossa história.
Ainda é pouco e todos os avanços estão hoje sob ameaça de um governo conservador e que tem trabalhado para desconstituir os direitos e conquistas das mulheres.
É a resistência, é a luta, é o conhecimento de seus direitos e das leis, que fazem a mulher superar as situações adversas, a violência física, psicológica e encorajar para tomar decisões em favor da sua vida e de seus descendentes.
Não a qualquer forma de violência contra a mulher! Sim aos direitos humanos das mulheres. Sim à justiça de gênero. Sim à igualdade de direitos. Sim à participação social e política das mulheres em todos os níveis.
Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180
Luizianne Lins