O Brasil é um país em que as velhas elites ainda não foram sepultadas e ainda possuem poder político; enquanto a nova sociedade, que já está engatinhando, ainda não consegue liderar. A comparação é do economista e professor Márcio Pochmann, da Unicamp, que participou ontem do seminário “Reencantar Fortaleza”, realizado na UFC pelo mandato da deputada federal Luizianne Lins (PT-CE).
“Somos uma sociedade governada pelo mortos; e o novo, que ainda está engatinhando, ainda não assumiu o comando”, definiu Pochman, diante de uma plateia que lotou o auditório Rachel de Queiroz, na área 2 do Centro de Humanidades, no Benfica. A frase é uma paráfrase de Gramsci, filósofo italiano que no início do século XX, dizia que “o velho resiste em morrer e o novo não consegue nascer”. Participaram do debate estudantes, professores, representantes de movimentos sociais e os vereadores Ronivaldo Maia e Guilherme Sampaio, ambos do PT.
Para Pochmann, que foi presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e é professor titular no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o atual momento brasileiro é difícil, mas não deve ser encarado como um momento negativo, “pessimista”. “Esse é um momento de oportunidades, em que a sociedade pode, de forma organizada, construir a história com suas próprias mãos. Agora, é preciso ter clareza e estratégias a serem adotadas”, defendeu.
Segundo o professor, o atual contexto político do Brasil só é comparável a dois outros momentos de nossa história, ambos marcados por crises e rupturas: a década de 1880, com a abolição da escravatura e a proclamação da República; e a década de 1930, com o amadurecimento do capital industrial no país e a emergência do moderno estado brasileiro. Mais do que uma crise econômica ou política pontual, ele defende, o que o Brasil vive hoje é a exaustão da chamada Nova República, aliada a uma crise global do capitalismo.
“Nós estamos presenciando o esgotamento do ciclo político iniciado com a Nova República, que foi uma fase que se iniciou com o que os cientistas políticos chamam de ‘transição transada’. Nós saímos da ditadura sem que o povo participasse”, definiu. “O povo poderia ter participado se tivessem passado a emenda Dante de Oliveira e as eleições diretas. O Brasil, certamente, seria muito diferentes do que é atualmente”.
Para complicar, o cenário para o esgotamento desse ciclo, ainda marcado pela hegemonia das velhas elites políticas e econômicas, é a profunda crise vivida pelo capitalismo em âmbito mundial. Um fase, defende Pochmann, que ainda viveremos por um bom tempo. “Basta ver a situação do centro mundial do capitalismo. Os Estados Unidos vivem hoje uma grave crise econômica, o país vivencia grandes mazelas sociais. De modo que o 1% da população tem mais renda acumulada do que os demais 99%”, pontuou.
Novas sociabilidades
Entre outros fatores, esse processo de exaustão de um ciclo político no Brasil se traduz, de acordo com Pochmann, pela emergência de novos parâmetros de conhecimento, que vão desde a relação com as novas tecnologias até o amadurecimento de novas formas de sociabilidade, que não podem mais ser assumidas, por exemplo, pelas antigas estruturas familiares, hoje estão cada vez mais frágeis.
Para Luizianne Lins, a resistência a essas novas formas de sociabilidade é o que leva a direita a tentar atacar os direitos e conquistas sociais alcançados nos últimos anos no Brasil. “Os companheiros que se julgam mais à esquerda do que a gente achavam que esse ciclo da política estava concluído e que agora era o momento de a gente radicalizar no discurso e na prática. Mas se a gente de fato olhar para o Brasil de dois anos atrás, nós jamais poderíamos imaginar que estaríamos vivendo essa situação de tentativas sistemáticas de nos fazer retroceder em relação a conquistas de direitos”, afirmou.
Para a deputada, nos dois mandatos de Lula e no primeiro mandato de Dilma, o Brasil “pisou o pé no acelerador” das conquistas sociais e de direitos. “O que faltou foi uma politização maior da sociedade acerca dessas questões”, defendeu. “Você imagina a quantidade de avanços, em termos de direitos, por exemplo, para gays, lésbicas, transexuais, etc. Essas coisas começaram a sair do armário e ocupar de vez o espaço público”.
“O conhecimento hoje é o principal ativo”, avaliou Pochmann. Isso significa que ter uma parcela majoritária da população com formação universitária não pode mais ser visto como o teto de um projeto de desenvolvimento, mas sim como a base fundamental. “O Brasil avançou muito nesse sentido nos últimos anos, durante os governos do PT”, afirmou. “Mas ainda estamos muito longe de países em desenvolvimento e de muito menor potencial econômico do que o nosso, como o Vietnã”.
Para Pochmann, quem conseguir entender essa posição central do conhecimento e das novas sociabilidades dará passos substanciais para construir uma história diferente. “Precisamos, portanto, superar esse momento em que as velhas elites ainda querem continuar dominando, mesmo que não tenham o governo em suas mãos; e em que o novo ainda não se ergueu. Mas creio que esse é um momento que abre perspectivas para a construção de um país melhor do que o que temos hoje”.